Páginas

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

O Sebastianismo




O sebastianismo foi uma crença ou movimento profético que surgiu em Portugal em fins do século XVI como consequência da morte do rei D. Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir, em 1578.


Sebastianismo em Portugal

Após o desaparecimento de D. Sebastião no norte da África e da morte de seu tio, o cardeal-rei D. Henrique, houve uma disputa por quem sucederia o trono português por falta de herdeiros diretos. O trono terminou nas mãos do rei Filipe II da rama espanhola da casa de Habsburgo. Basicamente é um messianismo adaptado às condições lusas e à cultura do Brasil. Traduz uma inconformidade com a situação política vigente e uma expectativa de salvação, ainda que miraculosa, através do retorno de um morto ilustre.

Vários setores da população não acreditavam na morte do rei, divulgando a lenda de que ele ainda se encontrava vivo, apenas esperando o momento certo para voltar ao trono e afastar o domínio estrangeiro. De certa maneira, isso ecoava uma crença no chamado "rei encoberto", que povoara a península Ibérica, e que se manifestara fortemente durante as "Germaníadas" em Valência, durante o reinado do imperador Carlos V. Entretanto, foi com o aparecimento dos chamados falsos "D. Sebastião" que aquilo que era uma crença difusa acabou por ganhar contornos políticos mais definidos, e em alguns casos, mais preocupantes para Madri. O caso mais emblemático e importante para a constituição do que se chamou de sebastianismo foi o do "Sebastião de Veneza", um calabrês, Marco Túlio Catizone, que se fizera passar por D. Sebastião. Incrivelmente, o Sebastião de Veneza obteve o apoio de vários fidalgos, letrados e religiosos portugueses, muitos deles ligados a "corte" exilada de D. António, prior do Crato, que disputara com Filipe II a sucessão da coroa portuguesa. Entre eles, João de Castro, neto do homônimo navegador, que dedicou seus anos finais de vida a provar e defender a causa sebastianista. Como indicado por Jacqueline Hermann, foi João de Castro que deu forma letrada e constituiu um corpo mais teórico ao que antes era um conjunto de esperanças no retorno de um rei desejado.

João de Castro, em seus tratados, uniu uma tradição exegética e apocalíptica em torno dos sonhos do livro de Daniel com o encobertismo e com os fundamentos proféticos da monarquia portuguesa. Entre eles, o Milagre de Ourique, que ganhara novas cores com o Juramente de Afonso Henriques, diploma forjado nos anos 1590 no mosteiro de Alcobaça, e, sobretudo, as Trovas de Gonçalo Annes Bandarra. Foi João de Castro que editou e fez imprimir a primeira versão das Trovas que até então circulavam manuscritas ou oralmente. No seu Paráfrase e concordância, lançado na França em 1603, transcreveu e comentou os versos do sapateiro de Trancoso, buscando mostrar como as trovas enigmáticas e proféticas só poderiam indicar a volta de Sebastião I para retomar o trono português e expulsar os castelhanos.

No dia 1 de dezembro de 1640, um grupo de conjurados chefiados pelo Duque de Bragança (futuro D. João IV - dinastia de Bragança), depôs em Lisboa o representante de Filipe III e restaurou a independência de Portugal e o movimento tomou novas características por todo o Império Português. Como demonstrado por Eduardo D'Oliveira França e mais tarde Luis Reis Torgal, houve uma adequação da crença sebástica para uma ideologia restauracionista à serviço da causa de João IV. O jesuíta Antônio Vieira foi um dos principais articuladores dessa construção profética a partir do chamado sebastianismo. Ainda que não tenha terminado suas obras proféticas, dedicou-se a elas de modo sistemático no fim da sua vida e já após o fim das Guerra de Restauração (1640-1668) contra a Espanha, escrevendo, entre outros, a Clavis Prophetaruam e a História do Futuro.

Resultado de imagem para sebastianismo
Retrato d'El Rei Dom Sebastião

O poeta português Fernando Pessoa, em seu livro Mensagem, faz uma interpretação sebastianista da História de Portugal, em busca de um patriotismo perdido. O poema reinterpreta a História de Portugal em função de uma ressurreição de um passado heroico ("é a Hora!").

Sebastianismo no Brasil

O sebastianismo também influenciou certos movimentos brasileiros em todo o país, desde o Rio Grande do Sul até ao norte do Brasil, principalmente no início do século XX.

O sebastianismo tem suas raízes na concepção religiosa do messianismo, que acredita na vinda ou no retorno de um enviado divino, o messias; um redentor, com capacidade para mudar a ordem das coisas e trazer paz, justiça e felicidade. É um movimento que traduz uma inconformidade com a situação política vigente e uma expectativa de salvação, ainda que miraculosa, através da ressurreição de um morto ilustre.

Chegou ao Brasil, principalmente ao Nordeste brasileiro, no século XIX. Unindo fanatismo religioso com idéias socialistas, o movimento se redescobriu no sertão nordestino, assumindo características próprias através de símbolos e do imaginário popular.

Alguns viajantes estrangeiros afirmam ter conhecido adeptos do sebastianismo, no Rio de Janeiro (1816) e em Minas Gerais (1817), descrevendo-as como pessoas educadas, cordatas e sem traços de crueldade aparente.

No sertão de Pernambuco, no entanto, o sebastianismo apresentou-se como um movimento político-religioso violento, com líderes fanáticos que ludibriavam a boa fé da população, principalmente dos mais humildes e menos informados, que sofriam bastante com o isolamento e os flagelos da seca.

Dois movimentos sebastianistas trágicos aconteceram em Pernambuco: o da Serra do Rodeador, no município de Bonito, em 1819-1820, e o da Serra Formosa, em São José do Belmonte, no período de 1836 a 1838.

O primeiro, conhecido como A Tragédia do Rodeador, tinha como líder Silvestre José dos Santos, “Mestre Quiou”, que fundou um arraial no local denominado Sítio da Pedra, destruído em 25 de outubro de 1820 pelo governador de Pernambuco Luiz do Rego. Denominado de “massacre de Bonito”, a destruição do arraial pelas forças legais deixou um saldo de 91 mortos e mais de cem feridos. Após o massacre, mais de 200 mulheres e 300 crianças foram aprisionadas e enviadas para o Recife.

O segundo movimento, A Tragédia da Pedra Bonita, ocorreu num lugar denominado Pedra Bonita, localizado na Serra Formosa, no município de São José do Belmonte, sertão de Pernambuco. Um grupo de fanáticos sebastianistas, liderado por João Antônio dos Santos, fundou uma espécie de reino, com leis e costumes próprios e diferentes dos do resto do país. Seu líder era chamado de rei e usava até coroa feita de cipó. Nas suas pregações ele dizia que o rei Dom Sebastião lhe havia aparecido e lhe mostrara um tesouro escondido; e que o rei estaria prestes a retornar e iria transformar todos os seus seguidores em pessoas ricas, jovens, bonitas e saudáveis. O grande número de pessoas pouco esclarecidas que seguiu os fanáticos de Pedra Bonita preocupou o governo, os fazendeiros e a Igreja Católica. Foi enviado o padre Francisco José Correia de Albuquerque para tentar fazer as pessoas voltarem ao seu lugar. O padre conseguiu convencer João Antônio a parar com a pregação, mas este deixou em seu lugar o cunhado João Ferreira, que se tornou o mais fanático e cruel rei da Pedra Bonita. Ele pregava que Dom Sebastião só voltaria se a Pedra Bonita fosse banhada com sangue de pessoas e animais, comandando um grande massacre de pessoas inocentes em maio de 1838. Entre os dias 14 e 18 morreram 87 pessoas. No dia 18 de maio o arraial da Pedra Bonita foi destruído pelas forças comandadas pelo major Manoel Pereira da Silva.
O movimento político-religioso também foi muito forte e com resultados trágicos nos sertões da Bahia, no arraial de Canudos chefiado por Antônio Conselheiro, entre os anos de 1893 e 1897, que culminou com a Guerra de Canudos. Documentos encontrados no arraial indicam que Conselheiro e seus colaboradores acreditavam no retorno de Dom Sebastião, ou, pelos menos, usavam isso para obter apoio dos seus seguidores. No caso de Canudos, o sebastianismo pregava a volta de Dom Sebastião para restabelecer a monarquia e derrubar a República. Em 1897, o arraial de Canudos foi destruído por tropas do Exército.

O sentido místico-religioso do sebastianismo também contribuiu para o aparecimento de manifestações folclóricas no Brasil. Há registros de lendas sobre o retorno de Dom Sebastião, como as do Touro Encantado e a do Rei Sebastião.